O SAARA do Rio de Janeiro, não é o deserto tão famoso no imaginário do mundo árabe, mas uma área de comércio popular situada no centro da cidade do Rio de Janeiro, Composto por mais de 1.200 lojas e considerado o maior shopping ao céu aberto do mundo. O SAARA tem muita história. História física, cultural e social. Sua denominação faz referência ao imaginário social construído em torno da economia de bazar também característica dos mercados árabes, Mas sua sigla deriva do nome dado à associação representativa dos comerciantes locais, a Sociedade dos Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega – SAARA.
As guerras e as crises econômicas que abalaram o mundo no início do século XX forçaram muitas pessoas a deixar seus países de origem. O Brasil, país pacato e com oportunidades de trabalho, virou porto seguro para muita gente. Essa região se caracterizou pelo acolhimento de várias levas de estrangeiros que acabaram por fornecer-lhe uma feição peculiar: sírios, libaneses, gregos e armênios, além de judeus de diversas origens, portugueses, espanhóis e, mais recentemente os asiáticos, todos voltados para as atividades do comércio
A área caracteriza-se pela presença de prédios de dois ou três pavimentos, sempre contíguos e de reduzida largura. De modo geral, as lojas localizam-se ao nível da rua, que por sua vez são estreitas e de uso exclusivo de pedestres. Isso possibilita uma integração entre o interior dos estabelecimentos e o exterior, entre o espaço privado que abriga o lojista e o espaço público onde há uma intensa circulação de pessoas e mercadorias.
De modo geral, as lojas funcionavam na parte de baixo e as moradias na parte de cima. Algumas vezes a loja era dividida ao meio por uma cortina e a moradia ficava na parte de trás. Algumas famílias, de melhor situação financeira, residiam em unidades unifamiliares. Outras moravam em residências multifamiliares, e outras ainda, menos abastadas, em cortiços e casas de cômodos. Mais tarde, os sobrados deixaram de ser utilizados também como moradia e passaram a ser usados como depósito ou escritório, embora, ainda hoje, possamos encontrar alguns poucos comerciantes que ainda residem no local
Os comerciantes costumam expor as mercadorias na entrada das lojas em balcões removíveis, dispostos na rua, oferecendo aos potenciais consumidores a possibilidade de tocá-las e manuseá-las. Além disso, e apesar da proibição, alguns comerciantes costumam ficar na frente de suas lojas, apregoando as ofertas e convidando os potenciais consumidores a entrarem. Suas vozes se misturam aos anúncios e à programação da rádio local, transmitidas por um sistema de caixas de som espalhadas ao longo das ruas. Tal configuração acaba por possibilitar uma proximidade na relação de compra e venda, abrindo espaço para a pechincha ou barganha e outras formas de regateio e negociação entre compradores e vendedores, expressando uma forma ritual de compra e venda distinta de outros centros comercias, como os shoppings ou supermercados.
Em 1962, nasceu oficialmente o SAARA: Sociedade de Amigos e Adjacências da Rua da Alfândega. Embora esses comerciantes já estivessem lá há décadas, ainda não havia essa organização formal. Organização formal que foi motivada por uma situação extrema. O então governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, queria fazer uma via que ligaria a Praça XV até a Central do Brasil. Essa via passaria pela região do SAARA e muitas lojas precisariam ser removidas. Foi aí que os comerciantes locais, entre eles Demétrio Habib, filho de Gabriel Habib, foram falar com Lacerda, desejando que essa obra não acontecesse. E eles conseguiram isso usando um grande argumento: eles eram os maiores pagadores de ICM (imposto sobre circulação de mercadorias) do Estado. O governo não podia perder essa arrecadação. Assim nasceu o SAARA. Atuante desde então, trata-se de uma entidade sem fins lucrativos, que tem como objetivo a administração dos serviços locais incluindo a limpeza, coleta de lixo, transporte de mercadorias, propaganda e a segurança da área. A organização desses serviços configurou-se assim, em estratégia de enfrentamento para responder, de maneira eficaz, às intenções do urbanismo oficial, na medida em que demonstrou capacidade de mobilização política e social, reafirmando os interesses comuns aos comerciantes do lugar
Os esforços da recém-criada Saara para a preservação do comércio e da arquitetura local de 11 ruas surtiram efeito, e o projeto da avenida, previsto desde 1930 no Plano Agache, foi abandonado. Após a vitória, a área, que contava com imigrantes de diferentes países, onde viviam e vendiam suas mercadorias por atacado, abriu espaço para o grande público, intensificando a venda no varejo. Há décadas, as estreitas ruas fervilham de gente, especialmente quando se aproximam o Natal e o carnaval, com os enfeites natalinos, brinquedos e as fantasias colorindo ainda mais as lojas, que também têm preços imbatíveis em materiais escolares, bijuterias, roupas e decoração. As ruas ficam lotadas, especialmente em datas festivas. A região também é um termômetro da economia brasileira e do nível de emprego no país: quando os ventos são favoráveis, as vendas das lojas aumentam. Já nos períodos de recessão, o comércio costuma ficar mais fraco.
Em meio a tudo isso, existem também restaurantes e lojas de especiarias, onde se pode comprar todo tipo de grãos a granel, temperos e condimentos exóticos, nozes e amêndoas, frutas secas e outras especialidades do oriente grande presença de empresas familiares. Isso dá ao local uma impressão de que todos fazem parte de uma grande família. A sucessão “de pai para filho” é uma das características do regime de direção das lojas e as relações de parentesco se estendem por todos os ramos do comércio da região. Os atuais comerciantes da área são, em grande parte, integrantes da segunda e da terceira geração de descendentes dos primeiros imigrantes que ali se instalaram.
Espacialmente é constituída pelo quadrilátero compreendido entre a Avenida Presidente Vargas e a Rua Buenos Aires, horizontalmente, e entre a Rua dos Andradas e a Praça da República, verticalmente Além destas, as outras ruas que compõem a área são: Alfândega e Senhor dos Passos, ruas paralelas cujos traçados seguem a direção Leste/Oeste, e as transversais Conceição, Avenida Passos, Gonçalves Ledo, Regente Feijó e Tomé de Souza. Seu conjunto arquitetônico é diferenciado em função da própria evolução urbana da área, predominando o casario eclético, de dois e três pavimentos, datando do final do século XIX e do início do século XX.
Além de ser um dos maiores centros de comércio popular do país, a Saara é um ponto de convergência de culturas, sendo chamada por muitos de ONU brasileira, devido ao bom relacionamento de diversos povos que, em outras regiões, vivem em constante conflito, como judeus e árabes. A história de vida de grande parte desses comerciantes constituíram, de certa forma, o próprio lugar. Tal fato contribuiu para conformar relações sociais particulares, marcadas pela solidariedade e a ajuda mútua entre comerciantes de origens étnicas distintas, provenientes de vários continentes, que tanto caracterizam a especificidade da rede de relações local.
Em 1985, foi fundada a Rádio Saara, um sistema de alto-falantes que divulga os produtos das mais de 1.200 lojas, que atraem clientes de todo o Rio, Região Metropolitana e até mesmo de outros estados, além de prestar serviços, como auxiliar crianças perdidas a encontrarem seus responsáveis, geralmente entretidos com as compras. Nos anos seguintes, as ruas que já reuniam tantas nacionalidades começaram a ver chegar orientais, como coreanos e chineses.
Na tentativa de aumentar ainda mais o fluxo de pessoas, em 1997, o local passou a ser um centro integrado de comércio, cultura e turismo, com estruturas administrativa e comercial semelhantes às dos shoppings, lançando o conceito de shopping a céu aberto.
Em fevereiro de 2017, a Saara ganhou uma estação do VLT (veículo leve sobre trilhos), o que levou mais modernidade e charme a mais para o histórico comércio carioca.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O SAARA no centro do Rio de Janeiro: Ambiências Urbanas, Mercado e Etinicidade Neiva Vieira da Cunha UERJ e LeMetro/IFCS-UFRJ
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