MOCAMBOS
Com relação aos mocambos, sabemos que é a partir do século XIX que este tipo de habitação se espalha pelas “zonas desprezadas da cidade”. Era a residência dos mais pobres: Negro, Caboclo e Pardo livre. Sua divisão interna era semelhante as Casas Térreas e o material construtivo era palha, madeira, taipa.
Os negros eram “o terror da burguesia dos sobrados”, pois habitavam as casas populares da cidade. Com a libertação dos escravos, em 1888, muitos ficaram sem emprego e as condições de habitabilidade em que se encontravam era muito precária. Eram os mocambos e os cortiços.
QUILOMBOS
Quilombo é uma palavra originária dos povos de línguas bantos (kilombo, aportuguesado: quilombo)”. Sua presença e seu significado no Brasil têm a ver com alguns ramos desses povos cujos membros foram trazidos e escravizados nessa terra. Trata-se dos grupos lunda, ovimbundu, mbundu, kongo, imbangala, etc., cujos territórios se dividem entre Angola e Zaire.
A fuga foi, de longe, a forma mais comum de resistência escrava no Brasil colonial e, urn problema característico do regime escravista brasileiro foi a existência das comunidades de fugitivos denominadas quilombos.
No período colonial brasileiro, o quilombo era visto como perigoso e uma afronta à sociedade da época. Os quilombolas eram considerados ladrões e assassinos, o que reforçava o estereótipo de negro como violento, que amedrontava a sociedade da época e só reforçava o preconceito e as ideias errôneas sobre as comunidades
Nas metrópoles emergentes do final do século 19, como o Rio de Janeiro, era quase impossível diferenciar quem era escravo, ex-escravo ou fugitivo. A presença de tantos fujões nas cidades produziu o fenômeno menos conhecido da história da escravidão no Brasil: os quilombos urbanos.
Os escravos que escapavam da servidão se aproveitavam da vasta vegetação de Mata Atlântica para montar abrigos e esconderijos. Ali, estavam livres para cultuar seus deuses, fazer música, pequenas roças e criar animais, que depois eram vendidos ou trocados nos mercados locais.
Ao contrário dos chamados quilombos de rompimento, como o de Palmares, que se caracterizavam por se assentarem em locais distantes, com o objetivo de evitar caçadores de recompensa e, ao mesmo tempo, romper com o modelo de civilização europeia, tentando recriar o mundo africano, os quilombos urbanos pareciam pequenos povoados.
Localizados bem próximos das cidades, tinham casas de pau a pique, construídas com barro e pequenos troncos de árvores, bambus e cipós. Os casebres, plantados em clareiras na mata, eram rodeados pelas criações de cabras, galinhas, porcos e animais de estimação. Com o tempo, os quilombolas fizeram pequenas roças de milho e de mandioca, um traço da influência indígena.
Os quilombos urbanos eram dormitórios dos negros fugitivos que tentavam a sobrevivência nos mercados e nos portos das cidades. . As aglomerações ficavam a quatro ou cinco quilômetros da cidade, encravadas no alto dos morros ou nos vales Os esconderijos urbanos proliferaram com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808. Era preciso mais mão de obra. A economia local havia ganhado impulso com a chegada da corte, e, com o empurrão financeiro, crescia também o número de negros vindos da África.
No porto, os escravos perambulavam de um lado para o outro carregando sacas dos navios para o cais. Já no centro da cidade encontravam-se os chamados escravos de ganho, que trabalhavam como marceneiros, sapateiros, prostitutas, quitandeiras ou carregadores. No final do dia, eles levavam o dinheiro arrecadado para os seus senhores. No meio dessa massa misturavam-se os negros libertos e fugitivos das fazendas – ou seja, os habitantes dos quilombos urbanos. Preocupados com as concentrações clandestinas de negros, as autoridades espalhavam capitães do mato (os caçadores de escravos fugidos), patrulhas policiais e até o Exército pelos subúrbios com a missão de descobrir e destruir os esconderijos.
No meio de tantos delatores, os negros fugitivos podiam contar especialmente com a ajuda dos escravos de ganho e dos africanos que já tinham conquistado a liberdade. Eles davam um jeitinho de camuflar os companheiros. A estratégia era bastante simples: misturavam-se uns aos outros nos mercados para que o trabalho de repressão ficasse difícil. Na bagunça, tornava-se quase impossível saber quem era quem. Alguns comerciantes também colaboravam com os fujões. Para eles, era vantajoso manter os fugitivos por perto. Em troca do silêncio, exploravam a mão de obra, além de comprar produtos baratos e de boa qualidade produzidos nos quilombos. Os velhos quilombos viraram os quartéis-generais da cultura africana
Com o fim da escravidão, os quilombos urbanos não desapareceram da paisagem da cidade. Só se transformaram. Os antigos redutos de resistência à escravidão viraram “territórios negros”, onde as tradições herdadas dos africanos floresceram. Manifestações como a capoeira, o batuque, as danças de roda e o culto aos orixás, práticas mal vistas pela sociedade, encontraram nesses locais um porto seguro. Os espaços dos quilombos continuaram sendo estigmatizados. Mesmo com a perseguição, bairros nasceram sobre as ruínas dos velhos quilombos –Gamboa e Serrinha, no Rio de Janeiro – e tornaram-se berços de escolas de samba, dos grupos de jongo, dos templos de cultos africanos e das rodas de tiririca, nome antigo da capoeira. Se não chegavam a ser guetos exclusivamente ocupados por descendentes de escravos eram pontos de encontro para a celebração de sua cultura, apesar do estigma de redutos marginais.
Em pleno século XXI, os quilombos de Sacopã, Pedra do Sal e Camorim resistem – ao apagamento da memória, ao desaparecimento cultural ou à especulação imobiliária – e sobrevivem.
O quilombo Sacopã foi criado no fim do século XIX por escravos fugidos de Macaé, que receberam o terreno da proprietária para quem trabalhavam. A família cresceu no mesmo ritmo da cidade, que se urbanizou nessa direção. A atenção de construtoras e imobiliárias tornou a Lagoa uma região nobre.
No caso do Quilombo Sacopã, que fica em um morro sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas, as dificuldades têm se mostrado acentuadas. Apartamentos luxuosos surgiram em torno do quilombo na década de 1970 abrigando membros do judiciário estatal que têm se engajado em uma longa batalha para remover o quilombo. Ocupando a área por mais de um século, os 30 membros das famílias que criaram a comunidade resistem por mais de quatro décadas a tentativas sucessivas de remoção. Em 2009, como parte dessa luta, o status de quilombo foi atribuído à comunidade, iniciando outro processo judicial para obter o direito à sua terra. Desde 2013 eles foram proibidos de promover o seu popular samba e feijoada, que por mais de 40 anos vem sendo um ponto fundamental da identidade e maneira de viver da comunidade.
Enquanto isso, o Quilombo da Pedra do Sal tem enfrentado lutas similares contra poderosos interesses na Zona Portuária do Rio. O quilombo da Pedra do Sal reunia muitos dos escravos que não eram vendidos quando chegavam da África. Lá também nasceu um dos primeiros terreiros de candomblé do Rio. A região não era o que é hoje - era muito isolada. Ocorreram muitas disputas, como a com Igreja Católica, que ganhou na Justiça a propriedade de várias casas da área. A luta do quilombo por reconhecimento começou em 2004, quando a Igreja Católica aumentou os aluguéis na área, despejando muitos dos ocupantes pobres que não podiam mais arcar com o aluguel. Na área antes conhecida como “Pequena África“, eles defendem a presença de um quilombo por direito para garantir a manutenção das tradições afro-brasileiras na região, tais como o Candomblé e o samba. De fato, para muitos, a Pedra do Sal já é sinônimo de samba. Os encontros, que acontecem duas vezes por semana, são extremamente populares, tanto entre os locais quanto entre turistas. Mas para os quilombolas, esses eventos não conseguem transmitir completamente a rica herança da região, enraizada na ancestralidade negra. Hoje, há 25 famílias descendentes da comunidade quilombola da Pedra do Sal, mas poucas vivem lá. Mesmo com a certificação da Fundação Palmares e o reconhecimento do vizinho Cais do Valongo como patrimônio da humanidade pela Unesco, os remanescentes têm dificuldade de retornar ao território que é seu por direito.
Escravos fugidos no século XVI, fundaram, em um dos primeiros engenhos do Rio, o quilombo Camorim, em Jacarepaguá (zona oeste). Com a abolição da escravidão, em 1888, o grupo voltou a ocupar a área da Casa Grande, agora abandonada. Embora o Camorim fique afastado dos bairros mais concorridos, ele também tem sua própria história, mais recente, de disputa e resistência imobiliária. Em 2014, quando ainda não possuíam a certificação das terras pela Fundação Palmares, as 20 famílias que se declaram quilombolas acordaram um dia com grande parte de sua floresta destruída: ali seria construído o condomínio para hospedar os árbitros dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Apesar de denunciarem, a Associação Cultural do Camorim (Acuca) nunca conseguiu recuperar o terreno. Em 2016, uma pesquisa arqueológica na região encontrou mais de 7 mil fragmentos de artefatos dos séculos XVI e XVII, e a área passou a ser definida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como sítio arqueológico. Ainda hoje, em partes do parque estadual da Pedra Branca, existem rastros que retratam os passos destes africanos que resistiram à escravidão. Há também pequenas cavernas, que foram usadas pelos escravos fugitivos como esconderijo, localizadas no meio da floresta no caminho para a Pedra do Quilombo—um pico que serviu como um importante ponto de observação para os quilombolas.
Além da luta por reconhecimento, mais de 130 anos após a abolição da escravidão, os quilombolas ainda precisam combater especulação imobiliária, violência e o fator mais cruel: o racismo. Atualmente existe uma nova atribuição social ao termo quilombo, chamada Quilombismo, defendendo em sua tese que a população negra deveria buscar em suas próprias experiências e história, a mobilização política necessária para provocar as mudanças que queriam. O quilombismo é uma nova forma de defender o movimento quilombola, no que consiste o espaço físico (território) e cultural da comunidade negra, isto é, uma nova forma de resistência e luta.
Referências
https://rioonwatch.org.br/?p=12163
https://www.geledes.org.br/quilombos-urbanos/
https://istoe.com.br/quilombos-urbanos-focos-de-resistencia-no-rio-de-janeiro/
Xavier Filho, José Luiz. DO KILOMBO AO QUILOMBO: UMA BREVE ANÁLISE HISTORIOGRÁFICA QUILOMBOLA DA ÁFRICA AO BRASIL E A VALORIZAÇÃO DAS MEMÓRIAS, ORALIDADES E HISTÓRIA ORAL NAS COMUNIDADES REMANESCENTES ATUAIS – XIX Encontro de História da Anpuh – Rio. Setembro de 2020
STUART B. SCHWARTZ Mocambos, Quilombos e Palmares: A Resistencia Escrava no Brasil Colonial Estudos Economlcos, Sao Paulo, 17(N9 Especial):61-88,1987
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