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PARTE 2 - DOS "TURCOS" AOS CHINESES NO SAARA - A HISTÓRIA DE PARTE DA IMIGRAÇÃO NO RIO DE JANEIRO

O Rio de Janeiro foi a primeira cidade brasileira a receber imigrantes chineses, ainda no século XIX. Entre 1812 e 1819, cerca de 300 deles foram trazidos de Macau pelo Governo Real Português, a fim de iniciar o plantio de chá, que não foi bem-sucedido. O fracasso do cultivo da planta se deu, em parte pelos maus tratos sofridos pelos trabalhadores, já que o diretor do Jardim Botânico tratava-os de forma severa, suspeitando de que eles, propositalmente, mantivessem segredos sobre suas técnicas mais sofisticadas de processamento do chá - o que não era verdade, pois os chineses geralmente bebem chá verde e simplesmente não conheciam os gostos europeizados dos brasileiros, que preferiam tomar o chá preto adoçado com açúcar e em parte pela sua inadaptação. Mas seria, a primeira imigração livre para nosso país



Durante sua primeira viagem ao Brasil, entre 1821 e 1825, o pintor alemão Johann Moritz Rugendas registrou a plantação chinesa de chá no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, numa gravura que publicou no livro Viagem Pitoresca Através do Brasil.

Insatisfeitos com o rigor da servidão a que eram submetidos, parte deles fugiu e passou a trabalhar como vendedores ambulantes ou cozinheiros, enquanto outra parte seguiu para nova tentativa de cultivo do chá, na Fazenda Real de Santa Cruz.

Em 1825 vários chineses registrados com nomes brasileiros conseguiram licença para trabalhar como mascates, vendendo peixes e pastéis pelas ruas da cidade. Alguns prosperaram, abrindo restaurantes, mercearias e lavanderias, em especial na região do bairro da Tijuca, onde se fixaram.

A partir de 1856, o Jardim Botânico passou a ser ligado ao Alto da Boa Vista, por uma estrada que foi aberta por mão de obra chinesa. No período da construção da estrada, os primeiros chineses faziam habitualmente sua refeição em certo ponto da via (conhecida, a princípio, pela simples indicação de “Rancho dos Chinas”). Em homenagem a esses trabalhadores, o prefeito Francisco Pereira Passos mandou construir, em 1903, um mirante, que oferece a melhor vista dos principais cartões postais da cidade. É a Vista Chinesa, dentro do Parque Nacional da Tijuca, na Estrada da Vista Chinesa, e considerada o maior monumento dedicado a um país asiático em toda a América Latina. Localizada a 380 metros de altitude, permite uma visão panorâmica que abarca o Cristo Redentor, a Lagoa Rodrigo de Freitas, o Pão de Açúcar, o Morro Dois Irmãos e as praias da Zona Sul do Rio de Janeiro. O mirante, em concreto, reproduz um pagode chinês erguido com troncos de bambu. Em cada uma das quinas dos dois telhados sobrepostos está situada uma gárgula com cabeça de dragão. Restaurado pela primeira vez em 2013, o ponto turístico é um dos que mais atraem visitantes interessados em apreciar a exuberância natural da cidade. Na mesma ocasião, a Estrada da Vista Chinesa também passou por obras de recapeamento.



Se, no início, a maioria dos imigrantes chineses era cantonesa (oriunda da região Sul do país), a partir da Revolução Republicana na China, em 1911, começaram a chegar também os imigrantes vindos da cidade de Qingtian, na província de Zhejiang, que se dedicaram ao comércio dos produtos importados. Com o tempo, esses ambulantes se estabeleceram em bazares.

Os cantoneses (chineses de região de Guangdong), foram os primeiros que chegaram ao Brasil e, além de se dedicarem às atividades agrícolas já mencionadas, também se voltaram à mineração, à construção civil e a outros trabalhos braçais. Independentemente de suas origens dentro do território da China, no início do século XIX, os chineses eram vistos como excelentes agricultores. E como as elites começaram a se preocupar, amedrontadas que estavam pelo fantasma da revolução do Haiti, com o crescente número de negros cativos e libertos que habitavam o país, já os viam como uma alternativa viável para a escravidão. Estes trabalhadores não se adaptaram à mudança de clima e às condições de vida e trabalho (maus tratos, privações etc.), vários fugiram e conseguiram retornar à China.

A colônia chinesa, que naquele período se acomodou no próprio Alto da Boa Vista, vive hoje, em sua maioria, na Tijuca e arredores, por ser um bairro próximo ao Centro e aos negócios. Apesar do desumano tratamento que recebiam, muitos chineses, por motivos os mais diversos, permaneceram aqui, dispersando-se pelo Rio de Janeiro.

Os empregadores tiravam vantagens do baixo nível de vida em que os chineses viviam em seu país de origem, aproveitando para submetê-los a condições que os trabalhadores nativos não aceitariam. Dentro da concepção dos empregadores, a vinda de chineses era uma forma de obter trabalhadores subservientes, que não apresentassem características como as que marcavam a mão-de-obra europeia, cujos trabalhadores não se deixavam assimilar à nova sociedade. E ainda , poderiam ajudar na desafricanização do Brasil.

Os imigrantes chineses em geral ficavam isolados de outros grupos de população devido às grandes barreiras culturais que os separavam. Diferentemente do que inicialmente se imaginava, em regra os chineses que aqui desembarcavam não estavam guardando dinheiro para regressarem a China, mas sim procurando meios para se estabelecerem definitivamente. Os cantoneses mais afortunados tornaram-se donos de estabelecimentos como restaurantes, lavanderias e mercearias. Seguindo essa tradição, os recém-chegados normalmente começavam a trabalhar como empregados em restaurantes, pensões ou pastelarias de parentes e amigos, e após juntar dinheiro ou pegar empréstimos feitos por causa das viagens, montavam seus próprios negócios

As imagens que as elites brasileiras tinham sobre os trabalhadores chineses eram as piores possíveis. Nelas, os chineses não eram “nem imigrantes nem humanos”, mas perfeitos para o trabalho servil posto que “climaticamente adaptáveis, dóceis, sóbrios e dispostos a trabalhar por baixos salários” - o que se revelou mais uma vez, como décadas antes, um erro. Como o chim, nome pelo qual eram denominados pelas elites, era considerado uma “raça inferior”, pequenas foram as possibilidades de relações afetivas entre o patrão e ele. Temiam a superstição e a “feiúra dos chins”, não aceitando o seu cruzamento com os locais, menos ainda “os seus hábitos extravagantes, a sua linguagem e até o seu modo de se vestir-se. Eram considerados amantes do jogo, renitentes à disciplina que os impedisse de jogar e de natureza moral pervertida. A incompatibilidade entre as civilizações do Ocidente e Oriente, culminaria num choque cultural maléfico para ambas as culturas e uma vez instalados nas fazendas, os maus tratos e o desrespeito aos acordos prévios eram constantes. Os chineses não aceitaram de forma passiva essas condições e muitos fugiram, adensando a comunidade já estabelecida no Rio de Janeiro Lá, passam a trabalhar como vendedores ambulantes e como cozinheiros

Havia ainda um outro tipo de violência não menos grave: a imposição de nomes cristãos portugueses como regra. Levado a cabo pelos proprietários das minas e pelos fazendeiros - o mesmo que ocorria com os negros escravos - este recurso estremecia a identidade pessoal e étnica do migrante. Ao batismo estava também vinculado o que seria depois a certidão de nascimento. Não sendo batizado, viviam marginalizados sendo estrangeiro, sem terra e pagão. Repetia-se, em relação ao casamento, a questão batismal. A única maneira de se ter um casamento válido era casando-se na Igreja e os chineses que não o faziam ficavam em situação de concubinato, sendo os filhos gerados considerados ilegítimos.

Diferentemente dos cantoneses que aqui chegavam desde o século XIX, os qingtianeses começaram a emigrar para o Brasil somente depois de 1911, quando eclodiu a Revolução Republicana na China – isso porque o Brasil foi o primeiro país que formalmente reconheceu, em 1913, a República da China. Eles voltaram-se basicamente para o comércio e iniciaram sua trajetória mascateando pelas ruas do Rio de Janeiro. Surgiu então um tipo de pequeno comércio, o tibao, sinônimo de sacoleiro ambulante: o vendedor carregava uma mochila ou bolsão cheio de mercadorias e transitava entre as ruas e bairros residenciais. Posteriormente, assentaram negócios e estabeleceram pontos de vendas localizados geralmente perto do centro comercial ou de núcleos de imigrantes. Esse comércio se caracterizava pelos produtos típicos da China, trazidos pelos fornecedores de lá. Com o passar do tempo, os sacoleiros ambulantes transformaram-se em donos de bazares, após uma trajetória de privações e trabalho árduo.

No Rio de Janeiro do final da década de 1950, os imigrantes chineses chegam a Saara (tradicional ponto de comércio popular da cidade), inicialmente vindos da China Continental (qintianeses). O número aumenta com a chegada, em fins dos anos 1950 e início da década de 1960, dos chineses de Taiwan, que introduzem novos ramos de comércio, como os artigos para presentes, a fabricação de mercadorias para festas de aniversário e de flores artificiais e seu respectivo comércio. Os chineses de Formosa encabeçaram as cifras migratórias por durante três décadas - entre os anos 1950 e 1970. Essa migração de perfil educacional e profissionalmente elevado e muitas vezes ligado à tecnologia de ponta – como, por exemplo, engenheiros contratados pelo governo ou pela iniciativa privada para contribuir no momento desenvolvimentista nacional – foi cessando progressivamente com a crise econômica brasileira dos anos 1980, mas também pelo exponencial crescimento econômico de Taiwan, que se tornou um dos tigres asiáticos, juntamente com Coreia do Sul, Cingapura e Hong Kong, atraindo os taiwaneses de volta para sua terra natal.

Em relação aos chineses instalados no Rio de Janeiro, estima-se que boa parte veio de São Paulo, em função da saturação deste mercado e da atração das boas possibilidades oferecidas por aquele. Uma particularidade que distingue a presença dos imigrantes chineses no Rio de Janeiro é a não existência de espaços étnicos territorialmente localizados, as chinatowns, modelo clássico de ocupação urbana da imigração chinesa. Acredita-se não haver chineses suficientes para isso, ou não haver necessidade, estando assim espalhados por toda a cidade, e não apenas circunscritos a um único bairro ou região


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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